Este poema me vai
com modos de se fazendo,
como quem vai tateando
seu assunto, lento, lento.
Este poema só trata
da coisa que a pele marca;
da coisa que o olho fere
ou que a ele muito afaga;
da coisa que a nosso olfato
nunca nunca desagrada —
ou mesmo que desagrade,
mas que imprima sua estada;
qual a coisa que no lábio
é veludo ou uma faca;
ou que se tocando a língua,
esta seca ou se encharca;
ou de outra, que no ouvido
é sussurro ou estaca.
Este poema só fala
de alguns ramos de açucenas
e eles se mostram à frente
ou gravaram-se à memória.
Se neste poema bóia
fina ou grossa arquitetura
de uns engodos só mantidos
com seus fins à formosura,
simulando paraísos
por quem mais viu a tristura,
e esse mesmo paraíso
é mais sonho que verdade —
tal poema muito peca por querer dar-se em calor
numa pena que é só frio.
Por isso muito se evola
e por isso é muito fraca
a palavra que não trata
do que se imprimiu ao corpo
ou que já marcou-lhe a alma.
Ele trate de algo ausente,
mas que deixe sua presença.
Como um sonho que tão forte
é tão vivo quanto a vida;
um desejo que, tão fundo,
deixa a carne toda à vista,
dando a marca que é da alma
à pele agora ferida —
pele, pêlos, poros, seivas ;
vaga e vida entrelaçadas.
Por isso muito se evola
e por isso é muito fraca
a palavra que não trata
do que se imprimiu ao corpo
ou que já marcou-lhe a alma.
Por isso o poema finda.
Por isso o poema acaba.
Neste poema não cabem
a dor e sua fumaça.
Neste poema não cabe
palavra que seja amarga.
Só cabem neste poema
o indizível e seu halo.
E eu me calo.
Nilton Resende*
*É ator, escritor e pesquisador de literatura
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