quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Este Poema Me Vai



Este poema me vai
com modos de se fazendo,
como quem vai tateando
seu assunto, lento, lento.
Este poema só trata
da coisa que a pele marca;
da coisa que o olho fere
ou que a ele muito afaga;
da coisa que a nosso olfato
nunca nunca desagrada —
ou mesmo que desagrade,
mas que imprima sua estada;
qual a coisa que no lábio
é veludo ou uma faca;
ou que se tocando a língua,
esta seca ou se encharca;
ou de outra, que no ouvido
é sussurro ou estaca.

Este poema só fala
de alguns ramos de açucenas
e eles se mostram à frente
ou gravaram-se à memória.

Se neste poema bóia
fina ou grossa arquitetura
de uns engodos só mantidos
com seus fins à formosura,
simulando paraísos
por quem mais viu a tristura,
e esse mesmo paraíso
é mais sonho que verdade —
tal poema muito peca por querer dar-se em calor
numa pena que é só frio.

Por isso muito se evola
e por isso é muito fraca
a palavra que não trata
do que se imprimiu ao corpo
ou que já marcou-lhe a alma.

Ele trate de algo ausente,
mas que deixe sua presença.
Como um sonho que tão forte
é tão vivo quanto a vida;
um desejo que, tão fundo,
deixa a carne toda à vista,
dando a marca que é da alma
à pele agora ferida —
pele, pêlos, poros, seivas ;
vaga e vida entrelaçadas.

Por isso muito se evola
e por isso é muito fraca
a palavra que não trata
do que se imprimiu ao corpo
ou que já marcou-lhe a alma.

Por isso o poema finda.

Por isso o poema acaba.

Neste poema não cabem
a dor e sua fumaça.

Neste poema não cabe
palavra que seja amarga.

Só cabem neste poema
o indizível e seu halo.

E eu me calo.
Nilton Resende*
*É ator, escritor e pesquisador de literatura

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